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Ansiedade e Medo em Tempos de Corona Vírus

Dra. Ana Maria Martins Serra, PhD - Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo, SP (2013)



Nas últimas semanas, a vida em todo o globo se viu abalada. As estruturas que pensávamos sólidas foram essencialmente alteradas: o dólar subiu, as bolsas caíram, muitas vidas foram perdidas, e a ciência se viu, perplexa, sem respostas e sem recursos.

As rotinas das pessoas, das comunidades, de países inteiros, enfim, de todo o globo foram quebradas, numa tentativa de restabelecer algum controle e poder salvar-se. Mas, salvar-se de que?!

De um inimigo de dimensões microscópicas, invisível aos nossos olhos. Contudo, é a sua invisibilidade que lhe confere o poder de influenciar e ameaçar tudo e provocando em todos a mesma resposta emocional: ansiedade e medo.

Ansiedade e medo representam dois conceitos quase sinônimos. A ansiedade resulta de pensamentos e interpretações negativas, que tomam a forma de afirmações ou perguntas antecipatórias, como, por exemplo: "e se eu contrair a doença?", "e se alguém da minha família não se salvar?", "as fronteiras foram fechadas, e se eu não voltar a ver minha família?". A ansiedade ainda pode decorrer de informações insuficientes ou contraditórias, que aumentam a incerteza e a insegurança. O medo, por sua vez, refere-se à emoção que sentimos quando estamos efetivamente diante de um perigo real ou imaginário. Um perigo real pode ser, por exemplo, uma pessoa ter uma crise de tosse diante de mim, ou chegar a uma UBS com possíveis sintomas e me orientarem a voltar para casa sem ao menos ser testado. Ou o medo pode ainda surgir quando, na vida diária, um ladrão armado me aborda - um risco real - ou quando ouço o que parece ser alguém entrando em minha casa e pressuponho que seja um ladrão - um risco imaginado.

A experiência de ansiedade ou medo pode variar de intensidade e, geralmente, vem acompanhada de sensações físicas, como tremor, aperto no peito ou no abdômen, fraqueza nas pernas, respiração alterada, falta de ar, coração acelerado e outras. Estas sensações, por sua vez, quando ocorrem, podem ser interpretadas por indivíduos ansiosos como um sinal de que algo errado está verdadeiramente ocorrendo com eles. A resposta de ansiedade é imediata, e vem acompanhada de um agravamento das mesmas sensações, às quais ele atribui um significado de ameaça ou perigo iminente, ficando ainda mais ansioso. Em outras palavras, o indivíduo pode entrar no que chamamos de espiral ascendente da ansiedade e do medo: ele percebe um evento (por exemplo, uma taquicardia ou uma gripe) como um sinal iminente de um ataque cardíaco ou de infecção pelo Covid-19, sente ansiedade e medo, que produzem sensações, às quais ele atribui um significado de maior perigo e ameaça, o que agrava as sensações, ou seja, ele entra na espiral ascendente da ansiedade e do medo, experiência da qual ele pode ter dificuldades para se desvencilhar. Este modelo, da espiral ascendente, inclusive explica uma crise de pânico.

Há fatores que modulam a intensidade da experiência de ansiedade e medo e podem reduzi-la. Tomemos como exemplo a seguinte situação: risco de contrair o Corona Vírus. A probabilidade, conforme estimada pelo sujeito, de contrair o vírus afetará a gravidade da ansiedade e do medo: quanto maior a probabilidade estimada por ele de contrair o vírus, maior será a intensidade do medo. O grau de aversão do evento temido - contrair o vírus - também afetará a intensidade da ansiedade e do medo: quanto mais alto o grau de aversão do evento temido, caso ocorra, implicará em maior ansiedade. Por outro lado, há fatores envolvidos que podem reduzir a intensidade da ansiedade e do medo. A probabilidade de evitação da doença ou de enfrentamento da doença, conforme estimado pelo sujeito, o afetará da seguinte forma: quanto maior a probabilidade de evitação e de enfrentamento, conforme estimada por ele, menor será a intensidade da ansiedade e do medo. Outro fator refere-se à probabilidade de resgate por outros - por exemplo, por médicos e tratamento: quanto maior for sua avaliação de resgate por outros, menor será a intensidade de sua ansiedade e medo.

Qual a origem da ansiedade e do medo? Ao processar situações potencialmente ameaçadoras, nós, na realidade, interpretamos essas situações, nós as percebemos de uma forma muito pessoal, atribuindo a elas um significado muito próprio de perigo ou ameaça. Por outro lado, ao avaliarmos nossos recursos de enfrentamento diante de perigos, nós, na realidade, avaliamos esses recursos também segundo uma forma muito própria e que pode estar distante da realidade. Então, vejamos: se atribuirmos um significado exagerado de perigo e ameaça a eventos e não reconhecermos nossos recursos de enfrentamento, consequentemente nos perceberemos vulneráveis diante dessa situação. Em resumo, é a percepção de vulnerabilidade frente a situações que nos leva à experiência da ansiedade e do medo. Quanto mais vulneráveis nos percebermos, mais intensas serão as emoções de ansiedade e medo e mais resistentes serão à desconfirmação.

Uma última consideração: a ansiedade e o medo são funcionais? Ajudam ou atrapalham? Primeiro: é falso o que se convencionou chamar de "ansiedade produtiva"; ao contrário, tudo o que fazemos será feito melhor na ausência da ansiedade, em qualquer área de necessidade e desempenho. O que é denominado de ansiedade produtiva, pode ser melhor descrito como um estado de prontidão para a ação.

Quanto à funcionalidade da ansiedade e do medo, e tomando como exemplo as situações de contrair o vírus ou não contrair o vírus, avaliemos o efeito diferencial de manter-se calmo e tranquilo ou manter-me ansioso e com medo sobre o efeito do tratamento. Primeiramente, como vêm fazendo vários experts, o pânico, uma variante da ansiedade e do medo, é um dos fatores mais prejudiciais no momento, um inimigo que figura entre os nossos mais perigosos inimigos nas circunstancias atuais. Se antes de receber um diagnóstico, eu me mantiver bem e tranquilo, quando eu receber o diagnóstico de que não contraí o vírus, continuarei bem, sem haver sentido ansiedade ou medo injustificadamente. Porém, se eu estiver bem antes e, após, receber o diagnóstico de que, sim, contraí o vírus, como eu vinha me mantendo calmo e tranquilo, o diagnóstico não terá um impacto tão significativo sobre mim. Inclusive, nesse caso, meu estado emocional anterior contribuirá para o bom resultado do tratamento que farei. Por outro lado, consideremos a situação oposta, em que uma pessoa venha se sentindo ansiosa e com medo, imaginando que contrairá o vírus. Suponhamos que ela efetivamente contraia; o fato de que vinha se desgastando em função da ansiedade e do medo, poderá impactar negativamente o efeito do tratamento. E, caso não contraia o vírus, toda a sua ansiedade e medo anteriores, e o desgaste associado, terão sido desnecessários e inúteis.

Daí, podemos concluir que, tomando todos os cuidados para proteger-se do vírus, mas mantendo-nos calmos e confiantes, estaremos em melhor forma e disposição, caso tenhamos que enfrentar uma situação aversiva - por exemplo, a de contrair o vírus. Uma disposição positiva e confiante contribuirá para o sucesso do tratamento.

Concluindo, a ansiedade e o medo representam não apenas um prejuízo, mas também aumentam o risco de resultados negativos.



 
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