ITC - Instituto de Terapia Cognitiva Referência nacional e internacional em TCC no Brasil
Em tempos de Corona Vírus, profissionais de saúde estão sendo forçados a desafiar os seus limites e a sua vulnerabilidade, com altos custos físicos e psicológicos. Médicos, enfermeiros, técnicos, psicoterapeutas, fisioterapeutas, assistentes sociais, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, outros profissionais da saúde e de saúde mental, além de coordenadores e colaboradores técnicos e administrativos de serviços de saúde, são denominados de "pessoal de linha de frente". A despeito do grande significado inerente ao título, profissionais de "linha de frente", muito justamente atribuído a esses profissionais, vemos uma realidade trágica: são eles exatamente os profissionais que, diariamente, lidam com realidades críticas, inerentes à experiência humana - a saúde, o risco e a vida - questões em destaque nesses momentos incertos de Covid-19. Esses profissionais de "linha de frente", continuamente expostos a riscos, muitas vezes negligenciam o fato de que necessitam cuidar de si para poder cuidar de outros. A tão buscada distância segura é, inadvertidamente ou por necessidade, violada por eles na condução diária de seu trabalho, em razão do contato humano inerente à natureza de suas atividades.
Em resultado, observamos um numeroso contingente de profissionais de saúde atingidos, em estatísticas assustadoras que crescem a cada dia, e com graves danos psicológicos aos colegas sobreviventes. Observamos, consternados, um número crescente de profissionais vitimados, os quais antes ofereciam cuidados e hoje requerem cuidados. O trabalho dedicado desse grupo de "linha de frente", muitas vezes sem as condições ideais para a condução de suas atividades, constitui um aspecto central no enfrentamento ao Covid-19. Sem eles, nenhum planejamento pode ser criado e implementado.
Neste espaço, me referirei a transtornos psicológicos que poderão acometer esse grupo de profissionais de "linha de frente", com sugestões sobre como manter o equilíbrio emocional e a motivação, minimizando riscos e otimizando recursos.
A experiência das emoções ansiedade e medo ocorre em resposta a uma atribuição de ameaça ou perigo, pelo sujeito, a uma situação. Ansiedade e medo são conceitos quase sinônimos. A ansiedade está associada à atribuição de perigo ou ameaça a situações, que resultam em pensamentos ou afirmações antecipatórias negativas; por exemplo, "e se eu me infectar hoje?", "e se meu EPI não for de boa qualidade?", ou ainda, "e se eu não conseguir controlar minha ansiedade?". O medo, por sua vez, refere-se à emoção associada à exposição efetiva a um perigo real ou imaginado, por exemplo, "uma pessoa tem um acesso de tosse diante de mim", ou "infectei-me durante um procedimento". Ou ainda, "o teste deu positivo para Covid-19", um perigo real, ou "dor no corpo, febre... estou infectado", um perigo imaginado. Mas a experiência de medo é a mesma diante do perigo real ou imaginado.
Em ambos os casos, da ansiedade ou do medo, informações insuficientes e/ou contraditórias exacerbam a incerteza e a insegurança, aumentando a ansiedade e o medo. Este é o caso do Covid-19, em que experts reconhecidos defendem posturas antagônicas a respeito do mesmo conteúdo.
A experiência de ansiedade ou medo pode variar em intensidade, e, geralmente, vem acompanhada de sensações físicas como tremor, coração acelerado, respiração alterada, falta de ar, aperto no peito ou no abdome, fraqueza nas pernas, ou ainda, estado de alerta, queda da concentração e pensamentos intrusivos catastróficos.
O caso particular do pânico tem seu modelo específico. Primeiro, é um transtorno cognitivo (de processamento) e não um transtorno de origem biológica. Segundo, começa com uma atribuição de ameaça ou perigo a um estímulo neutro, o que ativa a ansiedade e as sensações que tipicamente a acompanham. O indivíduo interpreta as sensações físicas como confirmação de que algo está verdadeiramente errado, o que eleva a intensidade da ansiedade e das sensações, que ele interpreta como, por exemplo, "estou realmente tendo um ataque cardíaco". E, através dessa espiral ascendente da ansiedade, ele chega à experiência emocional do pânico. O indivíduo então recorre a estratégias compensatórias, como o automonitoramento contínuo ou a evitação de certos estímulos e ambientes, que apenas reforçam o quadro disfuncional.
A depressão é um estado continuado de tristeza. A experiência da depressão resulta de uma atribuição de perda a um evento do real, isto é, perda de algo que a pessoa tinha e deixou de ter. Ou pode resultar da falta de objeto, isto é, falta de algo que ela desejaria ter ou ser, e não tem ou é. A atribuição de perda ou de falta de objeto, na depressão, pode referir-se a diversas dimensões da experiência da pessoa. A pessoa pode, por exemplo, referir-se a si, pensando "eu deveria ter-me cuidado melhor" ou "eu sou incapaz (ou inferior aos demais, ou tenho menos valor profissional)". Ou a pessoa pode referir-se ao mundo, pensando "o pessoal do serviço não me acolheu" ou "deram preferência injustamente a outros na decisão sobre as escalas". Ou a origem da sua depressão pode estar associada ao futuro, por exemplo, "não suportarei este trabalho por muito tempo" ou "minha vida está difícil agora e será mais difícil no futuro', ou "eu jamais superarei o trauma desta experiência (por exemplo, de ser 'de linha de frente' na atual pandemia)".
A depressão pode apresentar-se associada a sensações (desmotivação, cansaço, alterações de apetite e de sono, falta de concentração, e outras) e também a comportamentos típicos (alienação social, ideação e comportamentos suicidas, inatividade, indecisão, disfunção sexual, e outras).
A depressão pode variar em intensidade e em cronicidade. A cronicidade é diretamente associada a prognóstico negativo, mas a intensidade da experiência da depressão não está necessariamente associada a prognóstico; casos de depressão de alta intensidade podem responder bem, e em um curto prazo, à intervenção cognitiva.
O modelo cognitivo-comportamental, que fundamenta este artigo, propõe que a ansiedade e a depressão são respostas emocionais à forma negativa como o sujeito processa o real interno e externo. Cabe ao sujeito, com a ajuda de um profissional competente, buscar formas realistas e funcionais de pensar sobre o real, ou de representar e interpretar o real, definindo como funcional tudo o que concorre para o alcance dos objetivos do sujeito. O terapeuta cognitivo-comportamental e o paciente, em um processo colaborativo, trabalham em direção a 3 objetivos terapêuticos principais, quais sejam: a flexibilidade cognitiva, visando capacitar o paciente para modular emoções e comportamentos; a re-estruturação cognitiva, visando dotar o paciente de um sistema de esquemas e crenças funcionais, que lhe possibilitarão processar eventos e situações, e a si próprio, de forma mais realista; e o desenvolvimento de habilidades para a resolução de problemas, em vista de estudos que demonstram que depressivos e ansiosos apresentam um déficit nessas habilidades.
Evidentemente, no caso de situações verdadeiramente adversas, como esta Pandemia do Covid-19, com seu caráter trágico e incerto, compreende-se a negatividade natural aplicada ao processamento do real, bem como a experiência emocional associada, de tristeza e de medo. Porém, tristeza não é depressão e medo não configura necessariamente um transtorno. Necessitamos, sim, reconhecer o aspecto negativo da situação, mas, ao mesmo tempo, permanecer funcionais e operantes. E esse contingente numeroso de pacientes afetados necessita dos "profissionais da linha de frente", e do seu trabalho abnegado. São esses os profissionais aos quais jamais conseguiremos expressar suficientemente o nosso reconhecimento e a nossa gratidão.
Como gerenciar essa situação verdadeiramente adversa?
Segue uma série de sugestões para gerenciar emoções e comportamentos diante da Pandemia, a fim de bem cuidar de si para poder cuidar de outros.
Conforme vimos no artigo acima, a forma como a pessoa representa, interpreta, constrói, pensa sobre o real interno e externo, e não o real em si, é que determina suas emoções. Portanto, a fim de preservar-se de emoções negativas, a pessoa necessita mudar as suas cognições. Dessa forma mudará também as emoções e as comportamentos que as acompanham. A "flexibilidade cognitiva" seria, portanto, a capacidade de buscar formas alternativas de representar o real, a fim de modular emoções e comportamentos. Como fazer?
Perfeccionismo significa ter metas e expectativas que refletem a busca da perfeição. O perfeccionista tem por princípio não aceitar nada menos do que a perfeição em suas realizações. Ele aplica seu perfeccionismo a si próprio e também a outros, o que lhe traz custos na interação com indivíduos ou grupos. Como a perfeição quase nunca é atingível, o perfeccionista é um eterno insatisfeito. E quando ele falha em alcançar a perfeição, seu humor cai ou a ansiedade aparece, emoções que tipicamente interferem com a materialização máxima de sua capacidade em seu desempenho. Em outras palavras, o perfeccionista acredita que, se ele abandonar a busca da perfeição, seu desempenho cairá; mas observamos exatamente o oposto, ou seja, quando conseguimos que um perfeccionista abandone o perfeccionismo, neutralizamos a interferência da depressão e da ansiedade sobre o seu desempenho, o que eleva o seu desempenho. Abandonar o perfeccionismo (inatingível) e adotar a busca da excelência (atingível) o aproxima mais da perfeição do que quando ele a buscava.
Como lidar?
É um conceito antigo na literatura da Psicologia. Significa que, quando fazemos uma profecia, ou previsão, o fato de profetizar se encarrega de tornar a profecia realidade. Uma frase atribuída a Henry Ford ilustra esse princípio: "não importa se prevemos sucesso ou fracasso, pois, em ambos os casos, estaremos sempre certos.". Ou seja, se eu profetizar o sucesso, o estado emocional associado, positivo e de autoconfiança, não apenas não interferirá com a possibilidade de sucesso, mas contribuirá para a sua realização. Ao contrário, se eu profetizar o insucesso, o estado emocional associado, que será negativo, interferirá com o meu melhor desempenho, resultando em insucesso. Por exemplo, se um profissional de saúde confiar em si mesmo e profetizar que ele será competente em evitar ser afetado pelo Covid-19, a profecia positiva ensejará um estado emocional de confiança, de alerta produtivo, que concorrerá para que sua profecia se realize. Mas se, ao contrário, ele profetizar que será infectado, o estado emocional associado, de medo e tristeza, atuará para impedir seu foco, sua atenção plena a cuidados e procedimentos, sua concentração, e, consequentemente, a profecia "serei infectado" atuará para tornar-se, ela própria, realidade.
Como lidar?
Em vista da Pandemia, a rotina de Profissionais de Saúde inclui testemunhar o sofrimento humano e constantemente se expor à dor e ao desafio inerentes ao processo de tratamento de cada pessoa. Um sentimento nobre, como a Compaixão, pode, contudo, tornar-se causa de fadiga e excesso. Como lidar?
Propomos que há um continuum, que tem, em um extremo, um fator de personalidade denominado de "Sociotrópico", e, no outro extremo, outro fator de personalidade denominado de "Autônomo", segundo proposto pelo Dr. Aaron Beck, autor da Terapia Cognitiva.
O indivíduo Sociotrópico é aquele fundamentalmente dedicado aos relacionamentos, afetivos, familiares, de amizade, sociais. Exemplos são a mãe que não trabalhou fora, não construiu uma carreira professional; ou o homem ou mulher que não se dedicaram a uma atividade que lhes trouxesse uma satisfação interna e um senso de identidade; ou ainda a mãe que sofre o conhecido fenômeno do "ninho vazio", quando os filhos se mudam por escolha própria ou quando vão para a universidade,
O "Autônomo" é aquele indivíduo voltado a si, às suas conquistas, ao seu desenvolvimento pessoal e professional, que deseja e constrói uma carreira professional. Exemplos são os profissionais que, envolvidos com o trabalho, são ausentes em sua casa, relegam a família a segundo plano, dedicam-se à sua promoção, buscam resultados e o reconhecimento.
O Sociotrópico se deprime quando, por exemplo, rompe um relacionamento, quando perde uma pessoa significativa, quando a família é transferida e esse indivíduo tem que deixar seus melhores amigos para trás. E o Autônomo se deprime quando é preterido em alguma promoção, quando um projeto importante, que traria benefícios e reconhecimento, não é aprovado, ou quando perde o reconhecimento do qual gozava.
Em qual desses extremos seria mais saudável se situar?
Na realidade, indivíduos equilibrados, que se sentem bem sucedidos, que estão, de modo geral, satisfeitos com sua própria vida, que têm um autoconceito positivo, são aqueles que desenvolvem ambas as áreas, a sociotropia e a autonomia, que se equilibram entre essas duas áreas. Que se valorizam por serem autônomos, por investirem em si próprios, por se reconhecerem competentes. Mas que, ao mesmo tempo, se valorizam por terem amigos, por sentirem que efetivamente pertencem a uma família e ao grupo social, aqueles que têm um confidente e pelo menos um "melhor amigo".
Como promover esse equilíbrio?
Uma opinião negativa, uma crítica infundada, uma injúria, uma acusação desmoralizante, uma afirmação injusta, tendem a abalar as pessoas, e podem provocar tristeza, raiva ou até medo. Essa e outras situações semelhantes são habituais em contextos de trabalho, graças ao fato, entre outros, de que a interação entre os componentes do grupo, se não é diária, é frequente.
Entretanto, há várias questões a considerar. Primeiro, podemos interpretar negativamente uma afirmação neutra. Ou podemos exagerar na atribuição de alto significado a uma fala cujo autor nem a percebeu ou da qual não mais se recorda. Ou podemos interpretar negativamente algo que foi efetivamente dito com malícia, com a intenção de agredir, por um perpetrador dado a essas maledicências. Ou há ainda a possibilidade de nos ofendermos com uma opinião ou injúria efetivamente cometida contra nós, mas que, em realidade, é para nós motivo de satisfação e orgulho, porquanto representa algo em nós que o invejoso autor gostaria de possuir, mas não possui.
Qual o valor que devemos atribuir a opiniões, críticas, injúrias, e reais maledicências? Como lidar?
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