ITC - Instituto de Terapia Cognitiva Referência nacional e internacional em TCC no Brasil
A Terapia Cognitiva, como um sistema de psicoterapia, emergiu na década de 60, século XX. Aaron Beck, impulsionado por preocupações teóricas, e emprestando da Psicologia acadêmica a metodologia científica, conduziu estudos empíricos com a intenção de confirmar princípios psicanalíticos, em particular o modelo psicanalítico motivacional da depressão como agressão retroflexa do indivíduo contra si, em uma tentativa de auto-punição. Seus estudos com depressivos moderados e severos geraram resultados negativos, e, contrariando suas expectativas, conduziram à desconfirmação do modelo psicanalítico de depressão. Beck propôs um novo modelo, o modelo cognitivo de depressão, o qual, evoluindo em seus aspectos teórico e aplicado, resultou na proposição de um novo sistema de psicoterapia - a Terapia Cognitiva.
A despeito de trajetos históricos próprios e independentes, a Terapia Cognitiva tem sido freqüentemente identificada com a Terapia Comportamental, e as denominações Terapia Cognitiva e Terapia Cognitivo-Comportamental, especialmente no Brasil, têm sido empregadas intercambiavelmente. Da perspectiva da Terapia Cognitiva, este texto enfatizará fatores específicos de cada abordagem, bem como fatores de superposição, destacando aspectos históricos interessantes e que convergiram para a emergência de cada uma dessas abordagens em diferentes períodos e contextos.
Na década de 50, nos Estados Unidos, devido à emergência das ciências cognitivas, o contexto já sinalizava uma transição generalizada para a perspectiva cognitiva de processamento de informação, com clínicos defendendo uma abordagem mais cognitiva aos transtornos emocionais. Nessa época, observou-se uma convergência entre psicanalistas e behavioristas com respeito à sua insatisfação com os próprios modelos de depressão, respectivamente, o modelo psicanalítico da raiva retroflexa e o modelo behaviorista do condicionamento operante. Clínicos apontavam para a validade questionável desses modelos como modelos de depressão clínica.
Nas décadas de 60 e 70, observou-se o afastamento da psicanálise e do behaviorismo radical por vários de seus adeptos. Em 1962, Ellis, propôs a Rational Emotive Therapy, a primeira psicoterapia contemporânea com clara ênfase cognitiva. Behavioristas como Bandura (Princípios de Modificação do Comportamento, 1969; Teoria da Aprendizagem Social, 1971), Mahoney (Cognition and Behavior Modification, 1974) e Meichenbaum (Cognitive Behavior Modification, 1977) publicaram importantes obras, em que apontaram os processos cognitivos como cruciais na aquisição e regulação do comportamento, bem como estratégias cognitivas e comportamentais para intervenção sobre variáveis cognitivas. Martin Seligman, na mesma época, propôs a Teoria do Desamparo Aprendido, uma teoria essencialmente cognitiva, e suas revisões, que resultaram na Teoria dos Estilos de Atribuição, como relevantes para processos psicológicos na depressão.
Em 1977, é lançado o Journal of Cognitive Therapy and Research, o primeiro periódico a tratar da Terapia Cognitiva. Em 1985, a palavra "cognição" passa a ser aceita em publicações da Association for the Advancement of Behavior Therapy (AABT). Em 1986 Beck é aceito como membro da mesma entidade. E em 1987, ou seja, apenas dois anos após a AABT aceitar a inclusão da palavra "cognição" em suas publicações, em uma pesquisa realizada entre membros da AABT, 69% se identificaram como tendo uma orientação cognitivo-comportamental.
Estava, portanto, inaugurada a era cognitiva na psicoterapia, a partir de fatos que convergiram de forma decisiva para a emergência de uma perspectiva cognitiva, que se refletiu na proposição da Terapia Cognitiva como um sistema de psicoterapia, baseado em modelos próprios de funcionamento humano e de instalação e manutenção das psicopatologias.
Fundamentalmente, a influência mais importante, e a que deu origem à Terapia Cognitiva, foram os experimentos e observações clínicas do próprio Beck.
Na área de seus experimentos, Beck inicialmente explorou o modelo psicanalítico da depressão como agressão retroflexa, através de estudos de exploração do conteúdo dos sonhos e de manipulação de humor e desempenho com depressivos. Contrariando o modelo psicanalítico, Beck reuniu dados que apontaram para a depressão como refletindo simplesmente padrões negativos de processamento de informação. Na área de suas observações clínicas, Beck observou que, durante a livre-associação, pacientes não relatavam um fluxo de pensamentos automáticos, pré-conscientes, rápidos e específicos. Investigando, notou que tais fluxos de pensamentos funcionavam como uma variável mediacional entre a ideação do paciente e sua resposta emocional e comportamental. Em contraposição ao modelo psicanalítico motivacional da depressão, esses pensamentos expressavam uma negatividade, ou pessimismo, geral do indivíduo contra si, o ambiente e o futuro.
Com base em suas observações clínicas e experimentais, Beck propôs a teoria cognitiva da depressão. A negatividade geral expressa pelos pacientes, segundo ele, não era um sintoma, mas desempenhava uma função central na instalação e manutenção da depressão. Depressivos sistematicamente distorciam a realidade, aplicando um viés negativo em seu processamento de informação. Beck aponta a cognição, e não a emoção, como o fator essencial na depressão, conceituando-a, portanto, como um transtorno de pensamento e não um transtorno emocional. E propõe a hipótese de vulnerabilidade cognitiva, como a pedra fundamental do novo modelo de depressão, e a noção de esquemas cognitivos.
Em 1967, Beck publicou Depressão: Causas e Tratamento (1967), à qual se seguiu uma série contínua de publicações expressivas como Terapia Cognitiva dos Transtornos Emocionais (1976), na qual a terapia cognitiva já é apresentada como um novo sistema de psicoterapia, Terapia Cognitiva da Depressão (1979), a obra mais citada na literatura especializada, além de outras obras importantes, algumas das quais recentes, em que Beck e seus colaboradores desenvolvem e expandem os limites da Terapia Cognitiva.
Na primeira metade do século XX, a psicanálise, em suas várias orientações, dominava o campo da psicoterapia. No entanto, ao redor dos anos 50, cientistas começaram a questionar os fundamentos teóricos e a eficácia da psicanálise, enquanto que, ao mesmo tempo, a teoria da aprendizagem e dos processos de condicionamento, e a abordagem comportamental derivada delas, começaram a influenciar a pesquisa e a clínica psicológicas.
Pavlov, o cientista que primeiro descreveu e analisou os processos de condicionamento, expressou seu interesse em suas possíveis aplicações clínicas. Nos anos pós-guerra, a teoria da aprendizagem, proposta por Clark Hull, mostrou-se a orientação dominante na maioria dos departamentos de Psicologia, especialmente nos Estados Unidos. Em seguida, porém, encontrando obstáculos teóricos que resultaram em seu enfraquecimento e descrédito, cedeu lugar às propostas de B.F.Skinner.
Os primeiros teóricos-clínicos, nesse estágio precoce, acreditavam firmemente que a terapia comportamental deveria continuar intimamente associada ao behaviorismo dos anos 50 e 60. Os princípios fundamentais do behaviorismo, que desafiaram a psicanálise ortodoxa, podiam ser assim resumidos: a mente não representava um objeto legítimo de estudo científico; o problema do paciente se limitava ao seu comportamento observável, contra a necessidade de se invocar processos não-observáveis, e não-testáveis, como os processos inconscientes; o foco da avaliação e tratamento deveria ser dirigido ao que poderia ser observado, operacionalizado e medido; na modificação do comportamento, os fatores importantes eram os que concorriam para a manutenção do problema do paciente, ao invés de sua suposta origem; e, finalmente, o método científico provia um enquadre legítimo para o desenvolvimento de uma teoria e uma prática clínica, em que a compreensão e a aplicação de princípios teóricos e terapêuticos avançaria melhor através da observação empírica sistemática.
Entretanto, o desenvolvimento da terapia comportamental na Inglaterra e nos Estados Unidos seguiu trajetos paralelos e distintos, até que, com o tempo, essas distinções se atenuaram.
Na Inglaterra, nos anos 50, Hans Eysenck, que figura entre os principais contribuintes para o desenvolvimento da terapia comportamental britânica, e um grupo de notáveis membros do Instituto de Psiquiatria do Maudsley Hospital, sob a direção de Aubrey Lewis, discutiam a viabilidade de uma nova forma de psicoterapia baseada na teoria do condicionamento.
Após uma visita aos Estados Unidos, e pouco impressionado com a psicologia acadêmica e clínica americana, Eysenck desenvolveu parâmetros para a psicologia na Inglaterra: as leis estabelecidas pela psicologia acadêmica deveriam ser aplicadas na clínica; a psicologia clínica deveria constituir uma profissão independente; como a psicoterapia e os testes projetivos não se originaram a partir de teorias ou conhecimentos da psicologia acadêmica, estes não deveriam ser empregados na psicologia clínica; a psicologia clínica ou psicoterapia deveria basear-se em conhecimento, métodos e desenvolvimentos gerados pela psicologia acadêmica, delineados em seu popular livro Usos e Abusos da Psicologia (1953), concluíndo que os processos de condicionamento ofereciam a melhor fundação para a nova abordagem.
Após a guerra, Eysenck, encorajado por Lewis, fundou um programa acadêmico para psicólogos clínicos, tendo Monte Shapiro como o primeiro diretor da seção de treinamento clínico, dando origem ao Departamento de Psicologia do Instituto de Psiquiatria do Maudsley, afiliado à Universidade de Londres. Os casos conduzidos e estudados eram, em sua maioria, transtornos de ansiedade, especialmente agorafobia, resultando na publicação de estudos de caso. No entanto, a essa época, tais esforços iniciais em nada ainda se assemelhavam a uma nova forma de psicoterapia.
À mesma época, 1954, em Johanesburgo, Joseph Wolpe publicou seus primeiros resultados com uma nova técnica de redução de ansiedade, a dessensibilização sistemática, uma técnica de condicionamento, mas que claramente envolvia variáveis cognitivas, ao recorrer a ensaios graduais imaginados. Wolpe e Eysenck partilhavam algumas importantes visões: ambos utilizavam os princípios pavlovianos, ambos consideravam os problemas psicológicos como resultantes de experiências de condicionamento aversivo ou condicionamento deficiente, e ambos acreditavam na aplicabilidade de procedimentos de condicionamento com finalidades terapêuticas para pacientes portadores dos então denominados transtornos neuróticos. O trabalho de Wolpe representava a aplicação clínica do enquadre teórico que Eysenck, que jamais se envolveu com a prática clínica, vinha desenvolvendo. Além desses fatores em comum, ambos partilhavam ainda séria resistência à inclusão, ao redor de 1980, de conceitos e técnicas cognitivos na terapia comportamental, a despeito, curiosamente, da presença inequívoca de variáveis cognitivas na técnica da dessensibilização sistemática desenvolvida por Wolpe.
A fundamentação do programa desenvolvido por Eysenck e colegas foi posteriormente explicada em um livro, em co-autoria com Rachman, intitulado "As Causas e Curas das Neuroses: Introdução à Terapia Comportamental Moderna Baseada na Teoria da Aprendizagem e nos Princípios de Condicionamento" (1965). Eysenck foi sucedido na direção do departamento por Jeffrey Gray, ex-Decano no Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de Oxford. Jeffrey, foi, por sua vez, substituído pela dupla David Clark e Paul Salkovskis, que figuram entre os mais brilhantes pesquisadores em terapia cognitiva no cenário mundial, e os quais ocupam, no Instituto de Psiquiatria do Maudsley Hospital, postos anteriormente ocupados pelas figuras lendárias que os precederam, definitivamente impondo no Instituto a terapia cognitiva, em substituição à predecessora terapia comportamental. À mesma época, em 2000, um importante marco no desenvolvimento da terapia comportamental britânica se encerrou no mesmo Instituto, com a aposentadoria de Isaac Marks.
Após a visita de Eysenck aos Estados Unidos, e enquanto ele tentava fundar um departamento acadêmico de psicologia clínica na Inglaterra, nos Estados Unidos o modelo mais proeminente na psicologia acadêmica era o modelo de Boulder, Colorado, que insistia em que o treinamento de psicólogos clínicos deveria fundar-se nos departamentos da psicologia acadêmica, com sólida formação em psicologia em nível de graduação e um componente significativo em pesquisa em nível de doutorado. Entretanto, em contraposição, observava-se na clínica uma tendência à aceitação não crítica de uma variedade de formas de psicoterapia, praticadas na época, e o uso indiscriminado de instrumentos psicométricos, particularmente os testes projetivos, como o Rorschach.
Ao contrário do behaviorismo britânico, que estava largamente fundado nos conceitos de Pavlov, Watson e Hull, e atuava nos contextos clínicos com pacientes neuróticos, o behaviorismo americano apoiava-se principalmente nas idéias de Skinner e seus seguidores, os quais tentavam replicar em pacientes psiquiátricos os efeitos do condicionamento obtidos com animais em laboratórios, isto é, a modelação de comportamento através do uso de técnicas de condicionamento operante. Essa visão influenciou fortemente os conceitos de transtorno psiquiátrico e comportamento anormal, originando o modelo médico de problemas psicológicos. Os problemas psiquiátricos, de pacientes severos e crônicos, foram redefinidos como problemas de comportamento, cuja solução dependia de um programa de correção através do condicionamento operante.
As pesquisas conduzidas foram de grande valor, mas não produziram os resultados esperados. Além desse, dois outros importantes fatores se interpuseram como graves obstáculos: primeiro, o sucesso da terapia comportamental no tratamento dos transtornos de ansiedade não foi replicado no tratamento dos transtornos depressivos; e, segundo, ao mesmo tempo em que a teoria da aprendizagem de Hull caiu em descrédito, a teoria do condicionamento do medo, que representou um papel fundamental na proposição inicial da terapia comportamental, dava claros sinais da necessidade de revisão. Contudo, a terapia comportamental contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da Psicologia Clínica e resultou em uma mudança importante na forma como são avaliadas as abordagens psicoterápicas, especialmente a expectativa generalizada de psicoterapias baseadas em evidência, através de estudos controlados de eficácia.
A terapia comportamental mostrou-se promissora, especialmente no tratamento de fobias e transtornos obsessivo-compulsivos. Entretanto, muito cedo suas limitações teóricas e aplicadas se tornaram claras, especialmente com relação à limitada gama de transtornos para os quais se mostrava eficaz. Nos anos 60, as teorias dominantes em Psicologia mudaram seu foco do poder do ambiente sobre o indivíduo para os processos racionais, como fonte de direção das ações humanas, refletidos nas expectativas, decisões, escolhas e controle do indivíduo, prenunciando os efeitos da revolução cognitiva sobre a clínica, através da emergência das orientações cognitivas.
Em vista do reduzido sucesso no tratamento da depressão por terapeutas comportamentais, e a despeito da resistência da terapia comportamental a conceitos e técnicas cognitivos, quando Beck (1970) declarou que: "embora auto-relatos de experiências privadas não sejam verificáveis por outros observadores, esses dados introspectivos provêm uma riqueza de hipóteses testáveis", ele encontrou uma audiência interessada. Além disso, havia ainda o fato de que ele estava articulando preocupações de um número crescente de clínicos, que advogavam a atenção dos behavioristas para uma fonte valiosa de dados e compreensão clínica: a cognição. Re-assegurados por características do modelo cognitivo proposto por Beck, que incluía tarefas comportamentais, sessões estruturadas, prazo limitado de tratamento, comprovação científica, e registro diário de experiências maladaptativas, etc., os escritos de Beck encontraram surpreendente interesse por parte dos comportamentais. Superando suas resistências, os comportamentais passaram a incluir técnicas cognitivas em seus programas de tratamento, ao mesmo tempo em que reconhecidos behavioristas passaram a tomar a cognição como um construto mediacional entre o ambiente e o comportamento.
No entanto, outra fonte de desconfiança para os behavioristas, incluindo o próprio Eysenck, referia-se especialmente ao fato de que a terapia cognitiva desenvolveu-se independente da, ou em paralelo à, Psicologia Cognitiva como ciência básica, violando a máxima behaviorista de que a ciência psicológica deveria fundamentar a Psicologia Clínica. Mas o sucesso da Terapia Cognitiva no tratamento da depressão concorreu para neutralizar essas resistências.
Curiosamente, à medida que conceitos cognitivos eram incorporados à prática comportamental, dando dessa forma origem às terapias cognitivo-comportamentais, notou-se que além da superioridade em eficácia no tratamento da depressão, as técnicas cognitivas demonstraram eventualmente também sua superioridade no tratamento dos transtornos de ansiedade, o campo onde a terapia comportamental havia alcançado sucesso incontestável.
A introdução de conceitos e técnicas cognitivos na terapia comportamental coincidiu com a queda da teoria da aprendizagem de Hull, que provia a fundação teórica da terapia comportamental. Por outro lado, a absorção de conceitos cognitivos possibilitava, entre outras vantagens, maior valor explanatório, maior abrangência na aplicação da terapia comportamental, especificidade mais acurada, e a possibilidade de ênfase ao conteúdo psicológico, por exemplo, ao especificar o conteúdo cognitivo dos transtornos de pânico. Essas vantagens acabaram por garantir a incorporação de técnicas e conceitos cognitivos à terapia comportamental, resultando na consagração da nova orientação, a terapia cognitivo-comportamental, entre os comportamentalistas. Autores (ex. Rachman, 1997) referem-se à terapia cognitivo-comportamental como uma forma enriquecida e expandida de terapia comportamental.
A pergunta relativa a heranças históricas compartilhadas entre as três abordagens foi abordada acima. Resta apenas analisar a existência ou não de pontos comuns entre as três abordagens, da perspectiva de suas proposições teóricas e aplicadas. De uma perspectiva ontológica, as terapias cognitiva e comportamental diferem radicalmente em sua visão de homem. Do ponto de vista filosófico, o modelo cognitivo, baseado em esquemas como um modelo de funcionamento humano, reconhece a influência do observador, e de suas hipóteses e expectativas, sobre o processo da observação. O modelo comportamental, por outro lado, na sua ânsia de rigor metodológico, ou propõe reduzir o objeto observado a objeto observável, ou propõe ingenuamente que a observação pura, na qual o observador está livre de hipóteses, é possível, quando, segundo Popper, isso configura apenas um mito filosófico. O reconhecido filósofo Karl Popper, defensor do racionalismo crítico, influenciou os behavioristas nos anos 50, argumentando estar a psicanálise fora da ciência por não ser passível de falsificação. Da perspectiva epistemológica, a terapia cognitiva propõe que, por serem refutáveis, as hipóteses são candidatas ao status de científicas, adotando uma postura equivalente ao racionalismo crítico. Por outro lado, o behaviorismo sempre se declarou como adepto do positivismo lógico, com sua ênfase na necessidade de verificação direta, até um relativo afrouxamento, ao admitir a ação, sobre a variável dependente, das variáveis intervenientes, o que coincidiu com a popularização, nos meios científicos, do método hipotético-dedutivo. Este, adotado pelo cognitivismo, permitiu a investigação da cognição não observável, com base na proposição, fundamental ao modelo, dos processos cognitivos como variáveis mediacionais entre o ambiente e as respostas emocionais e comportamentais do indivíduo, estas constituindo as consequências observáveis.
Outra diferença marcante, aliás melhor referida como incompatibilidade filosófica, refere-se ao conceito de cognição, que para o behaviorista constitui um comportamento encoberto e, para o cognitivista, constitui um evento mental. Para este, está explícita a noção de subordinação das emoções e comportamentos às cognições, refletindo uma postura construtivista realista, visão cognitiva que frontalmente colide com o modelo behaviorista de comportamento humano. Para ilustrar essa diferença fundamental, tomemos o exemplo dos experimentos comportamentais, técnica largamente utilizada em ambas as abordagens, mas com finalidades que expressam claramente suas diferenças; como declara Beck (1979): "para o terapeuta comportamental, a modificação do comportamento é um fim em si mesmo; para o terapeuta cognitivo, é um meio para se atingir um fim - isto é, a mudança cognitiva".
E o que as duas abordagens têm em comum? Devido à seqüência histórica, apenas a terapia cognitiva, em sua proposição, poderia haver "emprestado" algo de sua predecessora, a terapia comportamental. A despeito das diferenças discutidas, e além das influências que a terapia cognitiva sofreu da experiência psicanalítica anterior de Beck, da fenomenologia, da teoria dos construtos pessoais e da terapia racional-emotiva, a terapia comportamental também ofereceu importantes contribuições, especialmente nos seguintes aspectos: ênfase ao uso do método científico; importância aos fatores de manutenção dos transtornos ao invés dos fatores de origem; ênfase a elementos terapêuticos, como estrutura das sessões e do processo clínico, definição de metas terapêuticas, tratamento de curto prazo, e a consideração de mudanças comportamentais como um meio importante para se alcançar mudanças cognitivas.
Quanto à Terapia cognitivo-comportamental, esta se situa em uma posição intermediária confortável entre as duas abordagens, porém com certo grau de liberdade conferido aos seus praticantes. Verificam-se dois grandes grupos. Primeiro, aqueles anteriormente treinados como terapeutas comportamentais, que tendem a manter-se vinculados ao modelo comportamental, apenas adicionando a este princípios e técnicas cognitivos, porém com o objetivo primordial de alcançar mudanças comportamentais. Para esses, a cognição ainda é vista como um comportamento encoberto. Segundo, aqueles treinados como terapeutas cognitivos, e que, adotando um modelo cognitivo, utilizam-se de técnicas comportamentais, porém com a finalidade explícita de obter mudanças cognitivas.
O primeiro grupo mostra-se mais numeroso no Brasil, devido principalmente ao caráter recente da terapia cognitiva entre nós e à escassez de centros autorizados de treinamento nessa abordagem. O segundo grupo, integrado por profissionais treinados como terapeutas cognitivos, representa a maioria dos auto-denominados terapeutas cognitivo-comportamentais no exterior, especialmente nos Estados Unidos, Inglaterra e outros países europeus. No exterior, o grupo de terapeutas cognitivo-comportamentais, anteriormente treinados como comportamentais e que permanecem vinculados ao modelo comportamental, é bem menos numeroso.
A razão principal para essa distribuição de terapeutas cognitivo-comportamentais com clara ênfase cognitiva ou comportamental, sem dúvida, refere-se ao fato de que a terapia cognitiva de Beck representa hoje a abordagem melhor validada entre todas as formas disponíveis de terapia psicológica, graças à sua ênfase em pesquisa empírica, à solidez de sua base teórica, e à coerência entre, de um lado, o seu modelo de instalação e manutenção das psicopatologias e, de outro, o seu modelo aplicado.
Faz-se evidente que a crença, comum especialmente no Brasil, de que a terapia cognitiva originou-se da terapia comportamental, constituindo uma forma de neo-behaviorismo, não encontra fundamentação na seqüência histórica de eventos que confluíram para o desenvolvimento independente de ambas. Em 1994, Hans Eysenck, cuja sala ficava ao lado da minha no Departamento de Psicologia do Instituto de Psiquiatria, expressou da seguinte forma sua opinião a respeito da possível origem comportamental da terapia cognitiva: "a terapia cognitiva tem pouco em comum com a terapia comportamental. Beck foi, na realidade, um psicanalista redimido que foi sábio em abandonar a parafernália do pensamento psicanalítico e adotar a metodologia científica" (comunicação pessoal, 1994). E, nas palavras de David Goldberg: "Beck tem a mesma relação com a psicanálise que Gorbachev tem com o comunismo. Justamente como Gorbachev terminou com o comunismo sem sangue (...), prometendo que tudo o que estava tentando fazer era reformá-lo, assim também Tim Beck desfechou um golpe profundamente subversivo na psicanálise, enquanto nos assegurava de que tudo o que ele estava tentando fazer era expandir as fronteiras da psicoterapia" (comunicação pessoal a P. Salkovskis, 1995).
Preparar este artigo, relembrando fatos e figuras lendárias, leva-nos inevitavelmente a observar que a sequência de fatos históricos de grande significado explicam o contexto atual das psicoterapias e nos inspiram a reverenciar os grandes mestres, alguns dos quais já se foram e outros que ainda estão produzindo. Estas figuras, através de sua engenhosidade e energia notáveis, legaram-nos uma fundação segura e uma fonte inesgotável de direções, nas quais as psicoterapias surgidas após se apoiaram. Seus exemplos servem como fonte de inspiração na definição e materialização de novas idéias, especialmente com relação ao estudo da associação entre cognições e emoções, com ênfase à eventual criação de uma teoria de processamento cognitivo-emocional, bem como com relação ao fortalecimento da cooperação entre pesquisa e clínica, uma via de mão dupla que mostra sinais de consolidação.
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