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Direito à convivência familiar - Como o Plano Nacional e os programas municipais de São Paulo estão transformando a realidade de crianças e adolescentes que vivem em abrigos
"A família é o berço de tudo." A frase que soa clichê é, praticamente, uma determinação legal. No artigo 226 da Constituição Federal está estabelecido que "família é a base da sociedade". A afirmação é ainda o fundamento de um dos planos mais importantes em relação a direitos ao convívio familiar. Constituído em 2004 e aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) em 2006, o "Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária" compõe um conjunto de estratégias de caráter social, educativo e pedagógico para assegurar a proteção integral das crianças e adolescentes em sua trajetória de risco social. "Embora já estivesse garantida no Estatuto da Criança e do Adolescente, a convivência familiar e comunitária tem sido um dos direitos mais violados por nossa sociedade", afirma Mariza Tardelli, coordenadora do Programa de Fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH).
"Isso ocorre porque nossa cultura ainda se apóia na institucionalização", diz ela. De acordo com uma pesquisa nacional realizada pelo IPEA entre 2003 e 2005, das cerca de 20 mil crianças que habitavam os 589 abrigos consultados, 86% tinham família e 24% estavam abrigadas por motivo de pobreza. Na mesma época, a Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de São Paulo (AASPTJSP) desenvolveu um estudo na mesma linha, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), em âmbito municipal, revelando dados muito semelhantes. Os resultados, que reforçaram a necessidade de elaboração do Plano, são preocupantes, pois mostram que os abrigos, que deveriam ser procurados em casos provisórios e excepcionais, são corriqueiramente usados como paliativo. "Na maioria das vezes, a institucionalização surge como primeira opção e o tempo de permanência excede o razoável, fragilizando laços afetivos parentais e dificultando perspectivas de colocação em família substituta quando o retorno à família de origem se torna impossível", diz Mariza.
De acordo com Maria Luiza Moura, representante do Conselho Federal de Psicologia no Conanda (Conselho Nacional do Direito de Crianças e Adolescentes), nem mesmo as dificuldades financeiras justificam. "A pobreza não é motivo para romper com as relações afetivas. O ideal seria que existissem políticas públicas não compensatórias, que possibilitassem que a família de poucas posses conquistasse autonomia para manter sua moradia, ter acesso à educação e à saúde", diz.
O Plano prevê o investimento nos núcleos familiares, com encaminhamento para programas de saúde e assistenciais de geração de renda e profissionalização. Mas, conforme explica Mariza, nem sempre as políticas públicas estão preparadas por meio de uma rede de serviços que atendam às necessidades dessas famílias. Daqui para frente, a expectativa é que cada Estado, e depois cada município, forme um grupo de trabalho para que as ações se ramifiquem localmente.
Uma alternativa que vem sendo usada em São Paulo é o projeto piloto da prefeitura em conjunto com o Tribunal de Justiça de "famílias acolhedoras". Trata-se de uma tentativa de quebrar as estruturas asilares. "É um regime de guarda provisória, que possibilita que até dois adolescentes e crianças sejam inseridos em uma casa de família, para que possam experimentar o convívio", diz Dayse Bernardi, presidente da AASPTJSP.
Para Maria Luiza, o acolhimento é uma forma de possibilitar o fortalecimento de referências culturais, além de ensinar algumas bases de relacionamento que facilitarão a integração da criança com a família definitiva", diz ela. O programa não é um voluntariado, mas uma proposta de trabalho. O que se pretende é oferecer uma vivência, tão próxima quanto possível, de um ambiente familiar, em que crianças e adolescentes estejam inseridos na comunidade, matriculados na escola, freqüentando cursos, realizando passeios e tendo acesso a cuidados com saúde junto aos recursos públicos, por exemplo. As famílias que participam recebem treinamento e orientação para colaborar em uma das partes do processo.
Na impossibilidade de retorno ao convívio dos parentes, chega-se à questão da adoção. Das três câmaras temáticas formadas para discutir o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, uma foi formada justamente para refletir sobre este tema. A posição adotada não é contra a adoção, mas determina que essa também deve ser uma solução extrema. "O objetivo é encontrar uma família para a criança e não a criança para uma família", explica Mariza.
O Plano significa também um avanço importante na medida em que permite a crianças e adolescentes se manifestarem no que diz respeito ao seu destino. "Apesar de ainda haver psicólogos e assistentes sociais que considerem principalmente, ou somente, o ponto de vista dos adultos, está claro que é fundamental ouvir a criança e o adolescente dentro de sua realidade", diz Dayse.
Sem criar um modelo utópico plenamente harmônico, o que se defende por meio do convívio familiar é uma oportunidade de crescimento cultural, de amadurecimento como cidadão. "Tido como um modelo de micro sociedade, é no ambiente familiar, que se experimentam as primeiras emoções, onde se aprende a ter respeito e se adquire valores e referências culturais, seja no tipo de alimentação, nas cantigas de ninar, no modo de falar. Nem que seja para aprender a romper com aquilo com que não se está de acordo", afirma Maria Luiza. As lições vivenciadas ali se constituem em referências importantes para o estabelecimento dos vínculos afetivos nas relações interpessoais.
Atualmente, o uso inadequado dos abrigos significa também aproveitá-lo como creche, escola, hospital e tudo mais que as políticas públicas não dão conta de atender. Resgatar o papel do abrigo é um dos próximos passos. Em São Paulo, a AASPTJSP divulgará a resolução que dará as diretrizes sobre como os abrigos do município devem funcionar. "Por menos que seja o tempo de estadia no abrigo, sempre é doloroso. Por isso, precisamos garantir práticas inclusivas e serviços de qualidade dentro dos abrigos," recomenda Dayse.
Fonte: site CRP-SPITC – Instituto de Terapia Cognitiva
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